Usuário da BR-470/SC há 25 anos, César Henrique Barzotto Antunes não teve dúvidas na hora de eleger o tema da sua dissertação no Mestrado Profissional em Gestão de Políticas Públicas (PMGPP), realizado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Ao longo de dois anos, o acadêmico se debruçou sobre o assunto reunindo uma série de dados e analisando arquivos históricos e conteúdos jornalísticos sobre a Rodovia.
O esforço rendeu um estudo de 250 páginas, no qual Antunes aborda várias camadas de informações e apresenta um projeto de aplicativo para atacar os problemas identificados ao longo do estudo. Na avaliação do pesquisador, os dados mostram que a BR-470/SC precisa de soluções mais robustas e permanentes, que levam em conta desde a quantidade excessiva de acidentes até a sua importância econômica para o Estado.
Impacto econômico
Dados divulgados pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – Fiesc ajudam a dimensionar a importância econômica da BR-470/SC. O Produto Interno Bruto (PIB) do entorno da Rodovia, de acordo com o levantamento, é estimado em R$ 91,9 bilhões gerando uma arrecadação de 26,6 bilhões ao Tesouro da União.
No entorno dos 358 quilômetros da malha viária, que ligam os municípios de Navegantes a Campos Novos, residem aproximadamente 1,9 milhões de habitantes. O estudo aponta que, nesta área, estão situadas 64,2 mil empresas e 625,1 mil trabalhadores, sendo 70% das exportações catarinenses escoadas pela BR-470/SC.
“Ao analisar todo os dados coletados para o estudo, compreende-se que o volume de acidentes e congestionamentos causados pelos baixos níveis de serviço da via, aliados à falta de manutenções constantes reduzem a competitividade econômica da região, pois causam aumento no consumo de combustível, no preço dos fretes, além de aumentar a emissão de poluentes", observa Antunes.
Imprudência lidera causas de acidentes
Dados fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), também presentes no estudo, mostram que 89,21% dos acidentes registrados na BR-470/SC, entre os anos de 2013 e 2021, foram decorrentes de imprudência e negligência dos motoristas e pedestres. Das 17.892 ocorrências registradas pelo órgão policial neste período, 16.619 delas resultaram em vítimas feridas, o que representou 92,88% das ocorrências.
No período, as cidades que lideraram o índice de acidentes foram Blumenau (17,67%), Indaial (13,4%), Rio do Sul (11,77%), Pouso Redondo (9,26%), Navegantes (8,19%), Gaspar (6,40%), Apiúna (5,41%), Ibirama (5,18%), São Cristóvão do Sul (3,51%) e Curitibanos (2,86%).
“Matérias jornalísticas de 20, 25 e até 30 anos atrás foram analisadas e comparadas aos registros da PRF. Neste processo ficou constatado que as notícias sobre os congestionamentos, acidentes e as localidades em que ocorreram são as mesmas que acompanhamos nos últimos anos. São os mesmos problemas, que ocorrem basicamente nos mesmos locais, somente em datas diferentes. Isso comprova que precisamos de soluções mais robustas para a Rodovia, para que não tenhamos outras três décadas 'repetindo notícias'", sugere.
Ao longo do estudo, Antunes também apresenta todas as causas de acidentes presentes na BR-470/SC e detalha a sua conversão em volume de feridos e mortes. O pesquisador chama a atenção para o número de óbitos no trecho situado no município de Pouso Redondo.
“Aquela área é a que mais possui registros jornalísticos antigos relatando acidentes graves, com muitos apontamentos sobre a falta de manutenção. As 100 mortes registradas ali entre 2013 e 2021, um intervalo de apenas oito anos, demonstra que o problema ainda se mantém latente", observa.
Duplicação
Outro ponto abordado na dissertação foi referente a duplicação da BR-470, no trecho entre os municípios de Indaial e Navegantes. Com base nas informações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), análises da Fiesc e relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), Antunes concluiu que a rodovia catarinense possui um grave problema de planejamento e gestão.
“A execução dos trabalhos iniciou antes do término do processo de desapropriações e isso gerou inúmeros atrasos, que aumentaram o tempo de obra e, consequentemente, a encareceram muito. Os lotes três e quatro da duplicação, por exemplo, acumularam 2,5 mil e 3 mil dias de obras paralisadas devido à ausência das desapropriações. São diversos fatores que demonstram a ineficiência da aplicação do erário público na duplicação da BR-470", assegura.
O autor do estudo afirma ainda que, embora as rodovias concessionadas ofereçam uma infraestrutura de serviços que atacam diversos problemas apresentados pela BR-470, não há consenso com relação a redução na quantidade de acidentes, uma vez que muitos resultam da negligência e imprudência dos usuários da via.
Projeto de tecnologia
Ao fim do estudo, o pesquisador apresenta um projeto de aplicativo que visa combater os principais problemas identificados na BR-470/SC, com tópicos relacionados à sinalização, logística e conhecimentos gerais sobre a Rodovia. Gerida pelo Estado ou por uma possível concessionária, a ferramenta sugere a participação dos cidadãos. A proposta prevê que os usuários tenham acesso a um aplicativo de tráfego com habilitações diferenciadas das já disponíveis no mercado.
“Embora uma política pública não resolva sozinha todos os problemas, esta proposta tecnológica colaborativa foi delineada para atacar todos os problemas presentes na BR-470/SC, prezando pelo desenvolvimento econômico e, principalmente, pelo respeito à vida das pessoas. O modelo, inclusive, pode ser replicado em outras rodovias", adianta Antunes.
Na visão do autor, a BR-470/SC necessita de uma política pública de transporte que, em suas palavras, seja pensada com mais carinho e humanidade. “Trata-se de um instrumento importante, que escoa o trânsito, as riquezas e as pessoas. Se chegar ao ponto de ficar 'trancada' ou intrafegável, Santa Catarina poderá sofrer, ainda mais, com severos prejuízos", presume.
Apoio
O estudo intitulado “A Gestão da BR-470/SC como Política Pública: desafios, eficiência e parcerias", foi orientado pelo professor Joaquim Olinto Branco e apresentado à banca no fim de julho. Para desenvolver o conteúdo, o pesquisador contou com incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Em meados de agosto, o resultado final será entregue oficialmente à Fapesc.